quinta-feira, 23 de agosto de 2012

MAS...




Mas...


E eu que achei que a lua não brilhasse

sobre os mortos no campo da guerrilha,

sobre a relva que encobre a armadilha

ou sobre o esconderijo da quadrilha,

mas brilha.

.

E achei que nenhum pássaro cantasse

Se um lavrador não mais colhe o que planta,

se uma família vai dormir sem janta

com um soluço preso na garganta,

mas canta.

.

Também pensei que a chuva não regasse

a folha cujo leite queima e cega,

a carnívora flor que o cego inseto pega

ou o espinho oculto na macega,

mas rega.

.

Pensei também que o orvalho não beijasse

a venenosa cobra que rasteja

no silêncio da noite sertaneja

sobre a ruína de esquecida igreja,

mas beija.

.

Imaginei que a água não lavasse

o chicote que em sangue se deprava

quando, de forma monstruosa e brava,

abre trilhas de dor na pele escrava,

mas lava.

.

Apostei que nenhuma borboleta

-por ser um vivo exemplo de esperança-

dançaria contente, leve e mansa

sobre o túmulo em flor de uma criança,

mas dança.

.

Por isso achei que eu não mais fizesse

poema algum após tanto embaraço,

tanta decepção, tanto cansaço

e tanta espera, em vão, por teu abraço,

mas faço.

Antônio Roberto Fernandes

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