segunda-feira, 1 de setembro de 2014

A VOSSA RUDE BÊNÇÃO - Teresa Rita Lopes

A VOSSA RUDE BÊNÇÃO

Quem foi que disse que os poetas são pálidos
reis sem trono? Quem foi que disse que
os versos se compõem com luar e estrelas
de mãos desocupadas impotentes?
Há poetas
que esgravatam seus versos nos caixotes do lixo
nas vazias ruas das madrugadas     antes que os cães
acordem a disputar a presa
há também os que
os talham à faca em corno ou osso ou casca de árvore
ou cana de canavial
e há os que os fazem de barro
ou pedra ou água
de lágrimas cuspo ou ranho
da baba subtil do sonho
Quem foi que disse
que as palavras não ferem?
Então os dedos
Os dentes as unhas a língua para que servem
senão para talhar seu fogo em lâminas?
Marinheiro dos rumos tresnoitados
guarda-nocturno das gatas aluadas
limpa-chaminés das alvoradas
sem nada    com as estrelas a balbuciar
de frio
cavador de ervas maninhas
filhas de pai incógnito   ordenhador
das cabras mais bravias   pastor da fome
de gados emigrantes    velho carreiro
a abalar de madrugada
o bafo das bestas
a sulcar o frio    a estrela da manhã
um copo de aguardente
barqueiro do meu rio
de antigamente   contrabandista da raia
nu a nado
a vossa rude bênção
meus padrinhos!
Teresa Rita Lopes


1 comentário:

Mar Arável disse...

Belíssimo

Sopro-te e voo