segunda-feira, 8 de junho de 2015

POEMA DOS MOTORISTAS OFICIAIS - Armando Silva Carvalho



POEMA DOS MOTORISTAS OFICIAIS

Encontram-se um pouco por todos os lugares.
Ora fumando,
orando pelos filhos junto a um deus
secretariado por magníficos
patrões.
De fato azul e gravata preta,
de anel cachucho e jornal da bola,
o rabo habituado aos bons cabedais
pousado no capot ultra-reluzente.
Trazem a província em cada bolso do corpo
e estendem olhos julgadores às mulheres solitárias
de cigarro na boca em plena rua.
Às vezes são quatro ou cinco à espera do final
de um conselho em pleno parto,
de uma portaria inacabada
ou de uma reunião de economia mística.
Derramam no passeio
o ócio inexplicável de rústicos fiéis
e contam anedotas num bocejo amarelo de melancolia.
Quem lhes dera a reforma, a courela da mãe,
ou  num sonho longínquo
essa noite sem lua em que engravidaram
a prima por descuido.
Sinto por todos eles um sentimento soturno
e muito gostaria
que Cesário os conhecesse
ao passear sozinho
pelas novas avenidas ao anoitecer.
Armando Silva Carvalho
(O que foi passado a limpo - obra poética)
Assírio & Alvim

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