segunda-feira, 12 de junho de 2017

CORAÇÃO HABITADO - Eugénio de Andrade

19 de janeiro de 1922 – 13 de junho de 2005

CORAÇÃO HABITADO

Aqui estão as mãos.
São os mais belos sinais da terra.
Os anjos nascem aqui:
frescos, matinais, quase de orvalho,
de coração alegre e povoado.


Ponho nelas a minha boca,
respiro o sangue, o seu rumor branco,
aqueço-as por dentro, abandonadas
nas minhas, as pequenas mãos do mundo.


Alguns pensam que são as mãos de deus
- eu sei que são as mãos de um homem,
trémulas barcaças onde a água,
a tristeza e as quatro estações
penetram, indiferentemente.


Não lhes toquem: são amor e bondade.
Mais ainda: cheiram a madressilva.
São o primeiro homem, a primeira mulher.
E amanhece.

(As Palavras Interditas)

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